quinta-feira, dezembro 17, 2009

remédio e verdade
exigem cuidado:
blá blá blá;
que morra engasgado.

― mais pílula.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Levantei e vi três crianças,
que vieram me perguntar:
― de que gosto tem o tempo?
Disse que é gosto de mar.

Voltei a sentar e pensei
que a resposta não sabia,
o tempo que aqui corria
se não tinha gosto de mar
gosto de que teria?

Salgado não é,
amargo, talvez.
Só pode ser doce
[se menos de um mês.

Há de se comparar, tamanho a tamanho: imensidão num lado, eternidade no outro; lá no fim do horizonte acaba o tempo.

― O tocante da alma envenena o vento.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

As horas nos abrem os olhos
e nos fecha a boca.
A luz nos queima a retina;
vem a fio uma notícia:
― há verdade a ser engolida.

Entretanto se assiste
à mentira que se apega;
se muito olhar para o sol
a multidão cega.

conto - fim

O medo que o garoto sentia nunca desapareceu por completo, sempre que pensava no alto, pensava na morte. Claramente lhe ocorria João e a tragédia no parque, e, conquanto evitasse lugares onde o medo lhe confrontasse, por vezes, fechava os olhos e se via caindo dentro de si, naquele vazio que nascera com ele ― maior que qualquer vão já imaginado.
Mais velho, lá pelos quarenta anos, ainda tinha a sensação que lhe assombrava desde garoto. Viu que seu medo maior se encontrava em si; passara a vida evitando o que vivia com ele. Nesse momento de revelação, quis sentir a absolvição sentida quando criança, no passeio. Despediu-se da família que lhe restava e correu para o lugar mais alto o qual já sentiu pavor ― um penhasco onde os garotos brincavam na infância. Lá, ao abrir os braços, sentiu uma liberdade que jamais cogitou sentir. O vento, que passava pelo seu corpo, limpava sua alma. Pela primeira vez sentiu que existia. Assim que voltou a si, não quis mais perder o que havia encontrado. Eriberto não hesitou: ainda que a ventania o quisesse para trás, fechou os olhos e se deixou voar ― ao saber do mundo, soube de si.

terça-feira, novembro 24, 2009

imitação

curta vida,
― glupt.
(poema pílula)

Na próxima eu continuo o conto.

sexta-feira, novembro 20, 2009

Extra!

Nas páginas do jornal: as notícias mais importantes do dia. Fulano bebeu; sicrano morreu, beltrano sobreviveu. A política, a economia, o mundo. Lá fora a noite cai, a vizinha na janela, carros na rua; quem retrata o canto dos passarinhos? E o passeio dos velhinhos? Ser feliz é aquém. É importante saber ― importante para quem?

quinta-feira, novembro 19, 2009

conto - parte 2

Eriberto sentiu mais uma vez medo de estar lá, mas não pela altura. As pessoas em círculo não deixavam-no olhar o rosto do cadáver, driblou em passos e esticando o pescoço conseguiu ver quem era o pobre menino. Não foi difícil reconhecê-lo, o cabelo ruivo lhe era familiar.
João Deutércio era o mais odiado por Eriberto, aquele era popular entre a garotada e usava toda sua maldade contra este, que apenas o odiava em segredo. Era conhecido por "Joãozinho", mas sempre que chamado assim, replicava: "Tô mais pra Joaozão". E realmente, o garoto era parrudo e maior que os outros da classe, o aumentativo lhe cabia.
Agora esticado no chão, parecia a Eriberto que toda a força do colega havia desaparecido. Foi quando se sentiu confiante, ainda que um pouco sádico. Sentiu prazer na fraqueza do outro e, instantaneamente, sentiu tristeza; entendeu que João precisava fazê-lo fraco para se sentir confiante e o evento fez com que perdoasse os maus-agrados que havia recebido do garoto.
Passada a euforia inicial, foi-se descobrir o que houve. O valentão soltou o cinto quando o brinquedo estava alto, não ficou explícito o porque, mas Eriberto teve com ele que foi para provar sua coragem; ficou feliz em ser covarde. Depois do dia no parque, o medo de altura foi menor.
Passado o tempo, Eriberto se formou e quase esquecia o acontecido, mas sempre resgatava a lembrança quando a altura lhe era imposta.

domingo, novembro 08, 2009

conto - parte 1

Eriberto teve medo de altura desde quando foi gente. Ele nunca subia em árvores, gostava de qualquer brincadeira que mantivesse seus pés no chão. As crianças da rua costumavam apelidá-lo com nomes maldosos por causa de seu receio; isso fez com que seu medo aumentasse, e aumentou. Eriberto não sabia mais o que fazer, pois não tinha amigos; não brincava das brincadeiras dos meninos, que eram como macacos: só sabiam se pendurar.
Certo dia o menino se viu em um cerco de aranhas, soubera que sua turma organizara um passeio ao parque de diversões. Seu maior pesadelo estava prestes a se concretizar quando ele pensou em pedir à mãe que o deixasse não ir. A mãe sentiu angustia ao pensar que seu filho nunca largaria o medo, o que era uma vergonha para o pai, já que era aviador. Ela hesitou e não deixou que ele faltasse ao passeio. Por sua vez, Eriberto viu o chão sumir debaixo de seus pés ― foi a primeira vez que o garoto encarou a altura, mesmo que imaginária. Foi dormir, mas não conseguia, a noite demorou a passar e quando a manhã chegou, ele já estava no parque dos horrores.
As crianças, empolgadas, pediram logo à professora para irem à montanha russa. Eriberto gelou as mãos e se sentiu tonto só em pensar naquele brinquedo gigante, a tontura ficou pior quando olhou para cima. Os outros, já agitados, viraram-se contra ele rindo e apostando uns com os outros se o moleque iria ou não conseguir ir à altura. Sentiu vontade de chorar e um frio na barriga, segurou o choro e correu para o banheiro do parque; lá soltou toda sua mágoa e ficou ali por um bom tempo. Assim que saiu viu uma agitação se formar em volta da montanha russa, preocupou-se e foi ter com os outros para ver o acontecido: alguém caído no chão.

terça-feira, outubro 20, 2009

"Corre o risco de que seu rosto desvelado decepcione seus amantes; ou que seus olhos grandes abertos e oferecidos lhes pareçam ainda cobertos de um sombrio véu: o desejo não pode mais cessar de procurar em outro lugar"

Jean Starobinski - Ensaio L'OEil vivant p. 11

Livre arbítrio

Faço o que quero fazer,
sou o que quero ser.

Seu espírito libertário
[me estarreceu:
Da carne ao sangue,
nada é meu.

sábado, outubro 17, 2009

Em cena

Pessoas estão cansadas das rotinas que elas mesmas constroem, do palco que montam, dos personagens diariamente interpretados. O baile de máscaras teve início e não esperamos pelo seu fim. O teatro dos horrores foi armado para que cada um pudesse encenar o roteiro da vida.
Hoje eu interpretei a menina cheia de sonhos, amanhã sou mulher fatal; ontem fui o que não sou mais: o depois já chegou.

sexta-feira, outubro 16, 2009

gráduo

Do fracasso à pura dor
me limito a saber o que faço,
mesmo tendo a força do aço
deleito da tristeza o sabor.

Vendo humanos transbordes
das lágrimas do palhaço
manejo dos nós aos laços
domino do sopro aos acordes

Entendo carícias de amor
sinto de malícia a calma
― escondo a dureza da alma,
escondo a beleza da cor.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Para começar

O tempo foi feito para não voltar. Na direção dos ventos voa e nos faz andar sobre ele de pés descalços, não há ancoras nem há como remar de volta. Cada instante é um passo a mais nessa linha reta e contínua que nos leva a lugar nenhum: mesmo parados nos movemos na mesma direção.
O tempo é simplesmente fora das regras criadas pela física e dos limites de qualquer vocabulário. Pode ser percebido quando as lembranças nos remetem ao passado e a perspectiva tenta alcançar o futuro. Consegue ser forma independente de energia que não é a mesma no início e no fim e não permite que se nade contra a correnteza; voltar seria em vão.